Macunaíma, XII TEQUETEQUE, CHUPINZAO E A INJUSTIÇA DOS HOMENS

Macunaíma, XII TEQUETEQUE, CHUPINZÃO E A INJUSTIÇA DOS HOMENS

No outro dia Macunaíma acordou febrento. Tinha mesmo delirado a noite inteira e sonhado com navio.

- Isso é viagem por mar, falou a dona da pensão. Macunaíma agradeceu e de tão satisfeito virou logo Jiguê na máquina telefone pra insultar a mãe de Venceslau Pietro Pietra. Mas a sombra telefonista avisou que não secundavam. Macunaíma achou aquilo esqui sito e quis se levantar pra ir saber o que era. Porém sentia um calorão cocado no corpo todo e uma moleza de água. Murmurou: - Ai... que preguiça...

Virou a cara pro canto e principiou falando bocagens. Quando os manos vieram saber o que era, era sarampão. Maanape logo foi buscar o famoso Bento curandeiro em Beberibe que curava com alma de índio e água de pote. Bento deu uma agüinha e fez reza can tada. Numa semana o herói já estava descascando. En tão se levantou e foi saber o que tinha sucedido pro gigante.

Não tinha ninguém no palácio e a copeira do vi zinho contou que Piaimã com toda a família fora na Europa descansar da sova. Macunaíma perdeu todo o requebrado e se contrariou bem. Brincou com a co peira muito aluado e voltou macambúzio pra pensão. Maanape e Jiguê encontraram o herói na porta da rua e perguntaram pra ele: - Quem matou seu cachorrinho, meus cuidados? Então Macunaíma contou o sucedido e principiou chorando. Os manos ficaram bem tristes de ver o he rói assim e levaram ele visitar o Leprosário de Guapira, porém Macunaíma estava muito contrariado e o passeio não teve graça nenhuma. Quando chegaram na pensão era noitinha e todos já estavam desesperados. Tiraram uma porção enorme de tabaco dum cornimboque imitando cabeça de tucano e espirraram bem. Então puderam pensamentear.

- Pois é, meus cuidados, você andou lerdeando, cozinhando galo, cozinhando galo, o gigante é que não havia de esperar, foi-se. Agora agüente a massada! Nisto Jiguê bateu na cabeça e exclamou: - Achei! Os manos levaram um susto. Então Jiguê lembrou que eles podiam ir na Europa também, atrás da muiraquitã. Dinheiro, inda sobravam quarenta contos do cacau vendido. Macunaíma aprovou logo porém Maanape que era feiticeiro imaginou imaginou e concluiu: - Tem coisa milhor.

- Pois então desembuxe! - Macunaíma finge de pianista, arranja uma pen são do Governo e vai sozinho.

- Mas praquê tanta complicação si a gente pos sui dinheiro à bessa e os manos podem me ajudar na Europa! - Você tem cada uma que até parece duas! Po der a gente pode sim porém mano seguindo com arame do Governo não é milhor? É. Pois então! Macunaíma estava refletindo e de repente bateu na testa: - Achei! Os manos levaram um susto.

- Quê foi! - Pois então finjo de pintor que é mais bonito! Foi buscar a máquina óculos de tartaruga um gramofoninho meias de golfe luvas e ficou parecido com pintor.

No outro dia pra esperar a nomeação matou o tem po fazendo pinturas. Assim: Agarrou num romance de Eça de Queiroz e foi na Cantareira passear. Então pas sou perto dele um cotruco andarengo muito marupiara porque possuía folhinha de picapau. Macunaíma dei tado de bruços divertia-se amassando os tacurus das for migas tapipitingas. O tequeteque saudou: - Bom-dia, conhecido, como le vai, muito obriga do, bem. Trabalhando, não? - Quem não trabuca não manduca.

- É mesmo. Bom, té-loguinho.

E passou. Légua e meia adiante topou com um mi-cura e lembrou de trabucar também um bocado. Pe gou no gambazinho, fez ele engolir dez pratas de dois milréis e voltou com o bicho debaixo do braço. Chegan do perto de Macunaíma mascateou: - Bom-dia, conhecido, como le vai, muito obriga do, bem. Si você quer te vendo meu micura.

- Quê que vou fazer com um bicho tão pichento! Macunaíma secundou botando a mão no nariz.

- Tem aca mas é coisa muito boa! Quando faz necessidade só prata que sai! Vendo barato pra você! - Deixe de conversa, turco! Onde que se viu mi cura assim! Então o tequeteque apertou a barriga do gambá e o bicho desistiu as dez pratinhas.

- Está vendo! Faz necessidade é prata só! Ajuntando a gente fica riquíssimo! Barato pra você! - Quanto que custa? - Quatrocentos contos.

- Não posso comprar, só tenho trinta.

- Pois então pra ficar freguês deixo por trinta contos pra você! Macunaíma desabotoou as calças e por debaixo da camisa tirou o cinto que carregava dinheiro. Porém só tinha a letra de quarenta contos e seis fichas do Cassi no de Copacabana. Deu a letra e teve vergonha de re ceber o troco. Até inda deu as fichas de inhapa e agra deceu a bondade do tequeteque.

Nem bem o mascate sorvetera entre as sapupiras guarubas e parinais do mato que já o micura quis fa zer necessidade outra feita. O herói arrendondou o bol so aparando e a porcaria caiu toda ali. Então Macunaíma percebeu o logro e abriu numa gritaria desgraçada, caminho da pensão. Virando uma esquina encontrou o José Prequeté e gritou pra ele: - Zé Prequeté, tira bicho do pé pra comer com café! José Prequeté ficou com ódio e insultou a mãe do herói porém este não fez caso não, deu uma grande gargalhada e foi seguindo. Mais adiante lembrou que ia indo pra casa zangado e pegou na gritaria outra vez.

Os manos inda não tinham voltado da maloca do Governo e a patroa veio no quarto pra consolar Macunaíma, brincaram. Depois de brincarem o herói pe gou no choro. Quando os manos chegaram toda a gen te se sarapantou porque eles tinham cinco metros de altura. Não vê que o Governo estava com mil vezes mil pintores já encaminhados pra mandar na pensão da Europa e Macunaíma ser nomeado era mas só no dia de São Nunca. Ficava muito longe. O invento tinha favado e os manos ficaram compridos por causa do de saponto. Quando enxergaram o mano chorando, se as sustaram bem e quiseram saber a causa. E como es queceram o desaponto voltaram pro tamanho de dan tes, Maanape já velhinho e Jiguê na força do homem.

O herói fazia: - Ihihih! tequeteque me embromou! Ihihih! Com prei micura dele, quarenta contos me custou! Então os irmãos se descabelaram. Agora não era possível mais irem na Europa não, porque possuíam só a noite e o dia. Levaram na prantina enquanto o he rói esfregava o óleo de andiroba no corpo prós mosqui tos não amolarem e adormecia bem.

No outro dia amanhaceu fazendo um calorão temí vel e Macunaíma suava que mais suava dum lado pra outro enraivecido com a injustiça do Governo. Quis sair pra espairecer porém aquela roupa tanta aumentando o calor... Teve mais raiva. Teve raiva por demais e maliciou que ia ficar com o butecaiana que é doença da raiva. Então exclamou: - Ara! Ande eu quente, ria-se a gente! Tirou as calças pra refrescar e pisou em cima. A raiva se acalmou no sufragante e até que muito satis feito Macunaíma falou prós manos: - Paciência, manos! não! não vou na Europa não. Sou Americano e meu lugar é na América. A civiliza ção européia de certo esculhamba a inteireza do nosso caráter.

Durante uma semana os três vararam o Brasil to do pelas restingas de areia marinha, pelas restingas de mato ralo, barrancas de paranãs, abertões, corredeiras carrascos carrascões e chavacais, coroas de vazante bo queirões mangas e fundões que eram ninhos de geada, espraiados pancadas pedrais funis bocainas barroqueiras e rasouras, todos esses lugares, campeando nas ruí nas dos conventos e na base dos cruzeiros pra ver si não achavam alguma panela com dinheiro enterrado. Não acharam nada.

- Paciência, manos! Macunaíma repetiu macambúzio. Jogamos no bicho! E foi na praça Antônio Prado meditar sobre a in justiça dos homens. Ficou lá encostado num plátano muito bem. Todos os comerciantes e aquele despropósito de máquina passavam rentinho do herói grugunzando sobre a injustiça dos homens. Macunaíma já es tava disposto a mudar o dístico pra: "Pouca saúde e muitos pintores os males do Brasil são" quando escutou um "Ihihih!" chorando atrás. Virou e viu no chão um ticotico e um chupim.

O ticotico era pequetitinho e o chupim era macota. O ticotiquinho ia dum lado pra outro acompanhado sempre do chupinzão chorando pro outro dar de comer pra ele. Fazia raiva. O ticotiquinho imaginava que o chupinzão era filhote dele mas não era não. Então voa va, arranjava um decumê por aí que botava no bico do chupinzão. Chupinzão engolia e pegava na manha outra vez: "Ihihih! mamãe... telo decumê!... telo decumê!..." lá na língua dele. O ticotiquinho ficava azaranzado porque estava padecendo fome e aquele nhenhenhén-nhenhenhén azucrinando ele, atrás, diz-que "Telo decumê!... telo decumê!..." não podia com o amor sofrendo. Largava de si, voava buscar um bichi nho uma quirerinha, todos esses decumês, botava no bico do chupinzão, chupinzão engolia e principiava atrás do ticotiquinho outra vez. Macunaíma estava meditan do na injustiça dos homens e teve um amargor imenso da injustiça do chupinzão. Era porque Macunaíma sa bia que de primeiro os passarinho foram gente feito nós... Então o herói pegou num porrete e matou o ticotiquinho.

Foi-se embora. Depois que andou légua e meia sen tiu calor e lembrou de beber pinga pra refrescar. Tra zia sempre num bolso do paletó uma garrafinha de pin ga presa ao puíto por uma corrente de prata. Desarrolhou e chupitou de manso. Eis sinão quando escutou atrás um "Ihihih!" chorando. Virou sarapantado. Era o chupinzão.

- Ihihih! papai... telo decumê!... telo decu mê!... lá na língua dele.

Macunaíma ficou com ódio. Abriu o bolso onde es tava guardado aquilo do micura e falou: - Pois coma então! Chupinzão pulou na beira do bolso e comeu tudo sem saber. Foi engordando engordando, virou num pás saro preto bem grande e voou prós matos gritando "Afinca! Afinca!". É o Pai do Vira.

Macunaíma seguiu caminho. Légua e meia adian te estava um macaco mono comendo coquinho baguaçu. Pegava no coquinho, botava no vão das pernas junto com uma pedra, apertava e juque! a fruta quebrava. Macunaíma veio e esgurejou com a boca cheia d'água. Falou: - Bom-dia, meu tio, como lhe vai? - Assim assim, sobrinho.

- Em casa todos bons? - Na mesma.

E continuou mastigando. Macunaíma ali, sapeando. O outro enquizilou assanhado: - Não me olhe de banda que não sou quitanda, não me olhe de lado que não sou melado! - Mas o quê você está fazendo aí, titio! O macaco mono soverteu o coquinho na mão fe chada e secundou: - Estou quebrando os meus toaliquiçus pra comer.

- Vá mentir na praia! - Uai, sobrinho, si tu não dá crédito então pra-quê pergunta! Macunaíma estava com vontade de acreditar e in dagou: - É gostoso é? O mono estalou a língua: - Chi! prove só! Quebrou de escondido outro coquinho, fingindo que era um dos toaliquiçus e deu pra Macunaíma comer. Macunaíma gostou bem.

-- É bom mesmo, tio! Tem mais? - Agora se acabou mas si o meu era gostoso que fará os vossos! Come eles, sobrinho! O herói teve medo: - Não dói não? - Qual, si até é agradável!...

O herói agarrou num paralelepípedo. O macaco mono rindo por dentro inda falou pra ele: - Você tem mesmo coragem, sobrinho? - Boni-t-ó-tó macaxeira comotó! o herói excla mou empafioso. Firmou bem o paralelepípedo e juque! nos toaliquiçus. Caiu morto. O macaco mono caçoou assim: - Pois, meus cuidados, não falei que tu morrias! Falei! Não me escutas! Estás vendo o que sucede prós desobedientes. Agora: sic transit! Então calçou as luvas de balata e foi-se. Daí a pouco veio uma chuvarada que refrescou a carne verde do herói, impedindo a putrefação. Logo se formou um poder de correições de formigas guajuguajus e muru-petecas pro corpo morto. O advogado Fulano atraído pelas correições topou com o defunto. Abaixou, tirou a carteira do cadáver porém só tinha cartão-de-visita. Então resolveu levar o defunto pra pensão, fez. Carre gou Macunaíma nas costas e foi andando. Porém o de funto pesava por demais e o advogado viu que não po dia com o peso. Então arreou o cadáver e deu uma coca de vara nele. O defunto ficou levianinho e o advo gado Fulano pôde levá-lo pra pensão.

Maanape chorou muito se atirando sobre o corpo do mano. Depois descobriu o esmagamento. Maanape era feiticeiro. Logo pediu de emprestado pra patroa dois côcos-da-Bahia, amarrou-os com nó-cego no lugar dos toaliquiçus amassados e assoprou fumaça de ca chimbo no defunto herói. Macunaíma foi se erguendo muito desmerecido. Deram guaraná pra ele e daí a pou co matava sozinho as formigas que inda o mordiam. Es tava tremendo muito porque por causa da chuvarada a friagem batera de repente. Macunaíma tirou a garrafinha do bolso e bebeu o resto da pinga pra esquentar. Depois pediu uma centena pra Maanape e foi até um chalé jogar no bicho. De-tarde quando viram, a cente na tinha dado mesmo. E assim eles viveram com os pal